Avanços no tratamento do Melanoma Metastático

Dr. Ariel Kann,
 ex-médico oncologista do Centro de Combate ao Câncer.

O melanoma é a forma mais letal de câncer de pele. Descoberto em uma fase inicial pode ser curado com a cirurgia isolada, mas mesmo precocemente ele pode gerar metástases nas quais as opções de tratamento são limitadas. Até recentemente, apenas duas drogas estavam aprovadas para o tratamento dessa neoplasia. A dacarbazina (DTIC), aprovada em 1975, continua sendo o único agente com aprovação formal e apenas 1 em 8 pacientes apresentam diminuição do tumor com a utilização da medicação. Em 1998, a utilização de altas doses de interleucina-2 (IL-2), uma imunoterapia, mostrou benefício no tratamento da doença metastática com um pequeno percentual de taxa de cura e com grande toxicidade. Obviamente, novos tratamentos são necessários, e nos últimos anos nosso conhecimento sobre o melanoma, assim como nosso conhecimento sobre a biologia tumoral e genômica cresceram muito, o que se traduz agora em novos tratamentos. Durante o Congresso da Sociedade Americana de Oncologia Clínica (ASCO), realizado em Chicago, EUA no mês de junho de 2011, dois estudos sobre melanoma metastático foram apresentados em sessão plenária, a principal do Congresso.

Na mesma semana, os resultados foram publicados na revista The New England Journal of Medicine. O primeiro estudo diz respeito à droga ipilimumabe. Trata-se de um anticorpo monoclonal que bloqueia a ação do CTLA-4, presente nos linfócitos T. Dessa forma, inibe o “freio” da resposta imune e estimula a proliferação e ativação desses linfócitos. Essa medicação já havia mostrado ser superior à vacina gp- 100 quando utilizada em segunda-linha (após falha à dacarbazina) em melanoma metastático.
Foram randomizados (1:1) 502 pacientes portadores de melanoma metastático nunca tratados. Pacientes com metástases em sistema nervoso central (SNC) não foram incluídos. Em um braço, o tratamento padrão foi proposto (dacarbazina + placebo). No outro, o tratamento experimental (dacarbazina + ipilimumabe) foi oferecido. Nos pacientes em que a doença não progrediu após 24 semanas, um tratamento de manutenção com placebo ou ipilimumabe era realizado. O desfecho primário do estudo era sobrevida global. O estudo foi dimensionado para avaliar um aumento de 37% da sobrevida global do braço experimental, com poder de 90%. O estudo não permitia cross over e aproximadamente 55% dos pacientes receberam terapia de segunda linha (a maior parte destes recebeu quimioterapia). A sobrevida global mediana atingida no braço experimental foi de 11,2 meses versus 9,1 meses do braço controle (HR 0,72; p<0,001 IC 0,59-0,87). Houve também uma redução de risco de progressão (HR 0,76; p<0,006).

O benefício existiu em todos os subgrupos. As taxas de resposta foram similares entre os grupos (15% versus 10%), mas chamou a atenção que algumas respostas com o uso de ipilimumabe ocorreram tardiamente e com efeito duradouro. Os principais efeitos adversos do braço que recebeu ipilimumabe foram elevação de enzimas hepáticas (AST e ALT), diarreia, prurido e rash. Reações adversas graus 3 e 4 foram mais frequentes no grupo que recebeu ipilimumabe (46,3 versus 27,5%). O uso de corticosteróides foi necessário para manejar a toxicida de imunomediada relacionada ao ipilimumabe.

O segundo estudo apresentado e publicado avaliou o vemurafenibe, uma nova droga oral inibidora da quinase BRAF. Essa droga havia sido avaliada em estudo de fase 2 e mostrou taxa de resposta de até 50% em pacientes com uma mutação específica do BRAF V600E. Essa modificação genética está presente em 40% a 60% dos melanomas cutâneos. Foram randomizados 675 pacientes portadores de melanoma metastático com mutação do BRAF V600E (avaliação por PCR real-time) para receber vemurafenibe ou dacarbazina (braço padrão / controle). O estudo aceitou pacientes com metástases em SNC, desde que tratados e controlados há, no mínimo, 3 meses. O desfecho primário era a sobrevida livre de progressão. O estudo foi desenhado para que, com um poder de 80%, seja detectado um aumento de sobrevida global mediana de 8 meses para 12,3 meses a favor do braço experimental. A análise interina planejada após 118 mortes mostrou que tanto a sobrevida mediana global quanto a sobrevida mediana livre de progressão já haviam atingido os critérios pré-especificados para significância estatística a favor do vemurafenibe. Dessa forma, foi permitido o cross over dos pacientes do braço dacarbazina para o braço vemurafenibe.

Após 6 meses, a sobrevida global no braço experimental era de 84% versus 64% (controle). O estudo mostrou superioridade do braço vemurafenibe em termos de sobrevida global (HR 0,37; p<0,001); sobrevida livre de progressão (5,3 versus 1,6 me- ses; HR 0,26; p<0,001) e taxa de resposta (48 versus 5%, p<0,001). Todos os subgrupos apresentaram benefício com o vemurafenibe. Os efeitos adversos mais comuns no braço vemurafenibe foram rash, fotossensibilidade, artralgias e fadiga. Os pacientes que receberam dacarbazina apresentaram, conforme esperado, mais náuseas, vômitos e neutropenia. Do total de pacientes, 38% dos que receberam vemurafenibe necessitaram de redução de dose. Um efeito adverso inesperado, verificado nos pacientes que receberam a droga, foi elevada incidência (18%) de queratoacantoma e carcinoma escamoso de pele. Esses tumores foram tratados com excisões simples com sucesso.

Referências:
Ipilimumab plus Dacarbazine for Previously Untreated Metastatic Melanoma. Robert C, Thomas L, Bondarenko I, et al. N Engl J Med. 2011 Jun 5; Epub 2011 Jun 5. Improved Survival with Vemurafenib in Melanoma with BRAF V600E Mutation. Chapman PB, Hauschild A, Robert C, et al. N Engl J Med. 2011 Jun 5; Epub 2011 Jun 5.

Comentário

Dra. Paula Diaz, médica oncologista do Centro de Combate ao Câncer.

Desde 1975, o quimioterápico dacarbazina era a única droga aprovada para melanoma metastático, baseado em taxas de resposta da ordem de 15-20%. A interleucina-2 em altas doses foi aprovada em 1998 com taxas de resposta duradouras em 5-7% dos pacientes.

Esse tratamento, porém, devido à sua toxicidade, deve ser reservado a uma população selecionada. As duas novas drogas apresentadas são, de fato, um grande passo no combate a uma doença carente de novidades terapêuticas. O estudo que comparou dacarbazina + placebo versus dacarbazina + ipili- mumabe infelizmente não continha o braço ipilimumabe isolado. A dacarbazina é, sabidamente, uma droga hepatotóxica e isso pode ter limitado a exposição dos pacientes ao ipilimumabe. Chama atenção também a dose utilizada neste estudo. A aprovação da droga em segunda linha foi para a dosagem de 3 mg/kg. Neste estudo porém, foi utilizada a dosagem de 10 mg/kg – os autores justificam que as taxas de resposta em estudos de fase II foram maiores com esta dosagem.

O conceito de droga-alvo aplica-se melhor ao vemurafenibe. Essa droga é seletiva para uma mutação presente em 40% a 60% dos pacientes (BRAF V600E). Nesses pacientes, as taxas de resposta foram altíssimas e, em alguns, verificou-se um tempo até progressão de doença muito longo. Uma vantagem digna de menção com a droga é a rápida instalação de resposta (o que não ocorre com ipilimumabe). Surpreendentemente, a droga-alvo levou a efeitos adversos inesperados: extrema fotossensibilidade, erupções cutâneas e apa- recimento de carcinomas espinocelulares de pele. Inclusive, houve casos de remissão espontânea desses carcinomas após a suspensão da droga.

Os próximos desafios serão: como escolher ou combinar melhor estes agentes com cirurgia ou radioterapia? Como obter melhores biomarcadores? Avaliar essas drogas nos casos raros de melanomas não-cutâneos (uveal, acral e primário de mucosa). É possível integrar estas drogas em pacientes com metástases em sistema nervoso central? Essas drogas são apenas a ponta do iceberg, e muitas novas drogas e combinações estão sendo estudadas. Embora ainda exista um longo caminho a ser percorrido no nosso conhecimento para encontrar a cura do melanoma metastático, elas representam um importante e significativo passo à frente neste caminho.

 

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