Vitaminas e o Câncer – Entenda o papel das vitaminas no tratamento das doenças.

As vitaminas têm uma popularidade enorme, e muitas pessoas acreditam que elas podem prevenir ou curar várias doenças, como o câncer. Infelizmente, isso não é verdade.

A crença de que vitaminas em geral têm algum poder terapêutico ganhou muita força com base nas ideias de um grande cientista norte-americano, Linus Pauling, ganhador de 2 prêmios Nobel (de Química e da Paz). Embora sua contribuição para a bioquímica tenha sido enorme no início da sua carreira, ele foi duramente criticado no final da vida por suas ideias não comprovadas cientificamente sobre a medicina ortomolecular (do qual é o inventor) e o uso da vitamina C, em particular. Ele mesmo usava 3 gramas de vitamina C diariamente, mas faleceu de câncer de próstata aos 93 anos. É impossível dizer se o uso da vitamina atrasou o aparecimento da doença, mas evidências científicas atuais muito bem fundamentadas sugerem que o uso da vitamina não teve nenhum papel na prevenção do câncer.

Mas, o que são vitaminas, aliás? Bem, as únicas características que todas têm em comum é que elas não podem ser sintetizadas pelo organismo (exceto a vitamina D), estão presentes na dieta e são fundamentais para que algumas reações químicas aconteçam no organismo (em termos técnicos, elas catalisam reações enzimáticas, além de outras funções). Mas por que será que elas têm esta aura tão poderosa?

Uma explicação plausível é que, quando algumas vitaminas são fornecidas àqueles que têm uma deficiência severa e sintomas graves, a maioria dos sintomas desaparece quase que num passe de mágica. Por exemplo, a deficiência da vitamina B12 pode levar à anemia, alterações da sensibilidade (formigamento) e da força dos membros, e até confusão mental. Depois de poucos dias de reposição, boa parte dos sintomas regride, e tudo pode voltar ao normal.

Duas revisões importantes foram publicadas no início de 2014 sobre o uso da vitamina D na prevenção de múltiplas doenças, inclusive câncer:

  • A primeira fez uma revisão de mais de 460 estudos publicados na literatura médica sobre o tema. Dois tipos de estudos foram avaliados: estudos em que os indivíduos responderam questionários sobre a ingestão espontânea da vitamina (estudos observacionais) e estudos em que os indivíduos receberam (ou não) a vitamina a partir de um tempo predeterminado (estudos clínicos controlados).
    Nos estudos observacionais, houve uma correlação negativa entre níveis de vitamina D e doenças cardiovasculares, alterações do metabolismo da glicose, doenças infecciosas, alterações cognitivas, câncer de intestino e mortalidade em geral. Isto é, quanto maior o nível de vitamina D, menor a incidência destas doenças e chance de morte. Mas este resultado não se repetiu na revisão dos estudos clínicos controlados, onde os indivíduos que receberam a vitamina foram comparados com indivíduos nas mesmas condições iniciais, que não receberam a suplementação vitamínica.

A explicação para esta discrepância de resultados está na diferença entre os tipos de estudos. Os estudos observacionais não conseguem estabelecer uma relação de causa e efeito, enquanto os estudos controlados são mais adequados para isso. Quer dizer, os autores sugerem que os níveis de vitamina D servem como marcadores do estado de saúde (quanto mais baixos, menos saudáveis são as pessoas), mas que a reposição da vitamina, por si só, não consegue reverter este quadro.

A vitamina D é sintetizada pela pele durante a exposição aos raios ultravioleta (UV), além de estar presente em cogumelos, ovos e peixes. Faz sentido que pessoas com hábitos saudáveis, que se exercitem durante o dia e se alimentem adequadamente tenham níveis maiores da vitamina em seu sangue. Estes hábitos estão relacionados à prevenção de várias doenças, e este fato pode confundir os resultados dos estudos puramente observacionais.

  • A outra revisão recente sobre os níveis de vitamina D e câncer avaliou somente estudos observacionais com pacientes com diagnósticos de câncer de mama ou de intestino e níveis de vitamina D no sangue. Nesta revisão, os resultados mostraram que níveis maiores da vitamina estavam relacionados à maior sobrevida dos pacientes, assim como na revisão anterior.
    Os autores deste trabalho não avaliaram estudos clínicos controlados, e, portanto, as conclusões são semelhantes às do trabalho anterior. Por enquanto, só é possível afirmar que existe uma associação entre os níveis da vitamina D e a mortalidade, mas não há evidências fortes para supor que tomar suplementos da vitamina diminua a chance de morte pela doença.

Por mais frustrante que pareça, as vitaminas são bem menos maravilhosas do que desejamos. No final, o melhor mesmo é manter dieta e hábitos saudáveis, sem milagres.

 

Dra. Mariangela Correa
Médica oncologista do Centro de Combate ao Câncer

Ref.:

  1. 1. Vitamin D status and ill health: a systematic review. Autier P, Boniol M, Pizot C, Mullie P. Lancet Diabetes Endocrinol. 2014 Jan;2(1):76-89
  2. 2. Serum 25-hydroxyvitamin D levels and survival in colorectal and breast cancer patients: Systematic review and meta-analysis of prospective cohort studies. Maalmi H, Ordóñez-Mena JM, Schöttker B, Brenner H. Eur J Cancer. 2014 Feb 27. pii: S0959-8049(14)00124-5
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