A droga everolimo utilizada no câncer de mama avançado

Dra. Alba Valéria de Oliveira, médica oncologista do Centro de Combate ao Câncer.

A hormonioterapia é peça-chave no tratamento de pacientes com câncer de mama metastático hormoniossensíveis. O uso de inibidores da aromatase em pacientes pós-menopausadas leva a altas taxas de benefício clínico (resposta e doença estável) e ganho de sobrevida global, sendo considerado o tratamento de primeira linha. Infelizmente, nem todas as pacientes apresentam resposta (resistência primária) e mesmo as que obtiveram resposta, em algum momento, desenvolverão progressão (resistência adquirida). Outras linhas hormonais podem ser utilizadas nesta situação, por exemplo, outra classe de inibidores da aromatase, tamoxifeno ou antagonistas do receptor de estrogênio (fulvestranto).

Acredita-se que um mecanismo de resistência endócrina seria a sinalização aberrante da via PI3K-Akt-mTOR. Um substrato do complexo mTOR, denominado S6-quinase 1, seria responsável pela fosforilação (e ativação) do receptor de estrogênio. A droga everolimo (Afinitor®, Novartis) inibe o mTOR e já é utilizada no tratamento de neoplasias renais e tumores neuroendócrinos.

Trata-se de uma droga oral cujo uso combinado à hormonioterapia em câncer de mama elevou, em estudos de fase II, as taxas de resposta. Neste estudo de fase III (BOLERO-2), apresentado no San Antonio Breast Cancer Symposium 2011 e publicado no mês de dezembro/2011 no The New England Journal of Medicine, foram incluídas 724 mulheres em pós-menopausa portadoras de neoplasia de mama com receptor estrogênico positivo e c-Erb-B2 negativos, que progrediram ao letrozol ou anastrozol (inibidores da aromatase não esteroidais) em qualquer fase do tratamento. Estas pacientes foram randomizadas (2:1) para receberem outra linha de tratamento hormonal com exemestano (via oral) 25 mg/dia ou exemestano 25 mg/ dia associado ao everolimo 10 mg/dia.

O objetivo principal do estudo era avaliar a sobrevida livre de progressão (SLP). Os objetivos secundários foram sobrevida global, taxa de resposta, benefício clínico, tempo até piora do ECOG (performance status), segurança e qualidade de vida.

O tratamento foi conduzido até progressão de doença ou toxicidade inaceitável. O seguimento ocorria com tomografia computadorizada ou ressonância magnética a cada seis semanas.
Das 724 mulheres incluídas neste estudo multicêntrico, duplo-cego, randomizado, 56% possuíam doença visceral e 76% doença óssea. A idade mediana foi de 62 anos. Todas as pacientes já haviam feito uso de terapia hormonal prévia com inibidores de aromatase (letrozol ou anastrozol), 48% haviam feito uso de tamoxifeno, 16% de fulvestranto e 68% de quimioterapia prévia. Os principais efeitos adversos da combinação versus exemestano isolado, foram estomatite grau 3 (8% versus 1%); hiperglicemia (4% versus <1%), fadiga (4% versus 1%) e pneumonite (3% versus 0%). O número de pacientes que descontinuou o uso de everolimo em função de toxicidade foi alto (19%). O estudo alcançou o seu objetivo primário na análise interina previamente planejada, demonstrando aumento significativo da SLP a favor da combinação exemestano + everolimo (6,9 versus 2,8 meses, p<0,001).

Os dados da avaliação radiológica independente corroboraram esta vantagem. As taxas de resposta favoreceram a combinação (9,5 versus 0,4%, p<0,001) e os dados de sobrevida global ainda não estão maduros. Todos os subgrupos obtiveram ganho com a adição do everolimo.

Referências:

Everolimus in postmenopausal hormone-receptor-positive advanced breast cancer. Baselga J, Campone M, Piccart M, et al.N Engl J Med. 2012 Fev 9;366(6):520-9

Comentário

Dr. Cid Buarque de Gusmão, médico oncologista do Centro de Combate ao Câncer.

O tratamento de escolha em pacientes com câncer de mama metastático com expressão de receptores hormonais e c-Erb-B2 negativo é a hormonioterapia. Trata-se de uma escolha terapêutica extremamente eficaz, segura, com baixíssima toxicidade e relativo baixo custo. Em pacientes com doença pouco agressiva, as trocas de linhas hormonais podem proporcionar longas sobrevidas preservando a qualidade de vida. A atividade de everolimo em câncer de mama já havia sido comprovada em dois outros estudos menores. Em um deles, combinado ao letrozol, houve aumento das taxas de resposta no contexto neoadjuvante (Baselga J et al, J Clin Oncol 2009). Mais recentemente, em um estudo de fase II, a combinação de everolimo com tamoxifeno também elevou a SLP comparativamente a tamoxifeno isolado (Bachelot, SABCS 2010). Se comparada à quimioterapia na mesma situação (capecitabina, taxanos e antracíclicos) a SLP atingida também se destaca. Os dados deste estudo são robustos e tamanha diferença é raramente obtida nos estudos atuais. Infelizmente, este tratamento vem acompanhado de toxicidade. A principal é estomatite, que muitas vezes não atinge grau 3, mas como a droga é contínua, o paciente muitas vezes não tolera a toxicidade grau 1 ou 2 por tempo prolongado. A fadiga, diarreia e o rash também são bastante comuns (aproximadamente 30% – em qualquer grau) e a pneumonite é o evento mais grave. Acredito que esta combinação se posicionará na prática clínica como mais um “degrau” antes da quimioterapia. A quimioterapia, certamente, manterá seu espaço para doenças mais agressivas ou envolvimento visceral importante que necessite de resposta imediata.

Julgo que o maior mérito deste estudo é demonstrar a importância de se estudar o mecanismo de resistência às drogas disponíveis, pois algumas vias de sinalização celular já podem ser manipuladas com medicações existentes.

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