Um novo modelo para a oncologia

Graziela Escobar, ex-farmacêutica do Centro de Combate ao Câncer.

A atuação do farmacêutico em oncologia é uma realidade presente em praticamente todos os serviços de quimioterapia pelo Brasil. Embora tenha iniciado sua atuação exclusivamente nas atividades de manipulação e gerenciamento de quimioterápicos, tornou-se peça fundamental para a garantia de qualidade dos procedimentos. Por meio de ferramentas como a análise da prescrição médica, verificação de interações medicamentosas, identificação de necessidades específicas por alterações da função hepática ou renal e disponibilização de informações sobre novos medicamentos disponíveis, a terapia antineoplásica tornou-se mais segura para o paciente e possibilitou ainda significativa redução de custos pela prevenção de reações adversas ao uso de medicamentos.

Um passo além, disponível em alguns serviços de saúde, é o acompanhamento integral do paciente por intermédio de programas de Atenção Farmacêutica. Segundo a FIP (Federation Internationale Pharmaceutique), Atenção Farmacêutica é o fornecimento responsável da farmacoterapia com o propósito de obter resultados definidos que melhorem ou mantenham a qualidade de vida do paciente. O processo de atenção farmacêutica inicia-se com a concordância do paciente em disponibilizar informações sobre seu tratamento.

As informações são coletadas inicialmente no prontuário médico e confirmadas por meio de entrevista com o paciente. Posteriormente, o farmacêutico irá avaliar a indicação e a posologia de cada medicamento em uso, verificar interações medicamentosas, con- dições de armazenamento e identificar problemas relacionados aos medicamentos.

Os problemas relacionados a medicamentos podem ser divi- didos em quatro grupos:

  • indicação: medicamento necessário para a patologia não prescrito ou utilização desnecessária de um ou mais medicamentos;
  • efetividade: medicamento inadequado para a patologia ou dose muito baixa;
  • segurança: reação adversa ou dose muito alta;
  • aderência ao tratamento pelo paciente.

O processo de atenção farmacêutica utiliza como base as informações subjetivas de um paciente e analisa estas informações de acordo com parâmetros objetivos, estabelecendo um plano de tratamento individu- alizado. Este plano de tratamento deve contemplar os requisitos de indicação, efetividade, segurança e adesão ao tratamento para o paciente com o objetivo de garantir os melhores resultados para o tratamento proposto. Tradicionalmente, o tratamento do câncer ocorre em ambulatórios especializados ou em regime de internação hospitalar. A introdução recente de vários agentes orais e de dispositivos de infusão portáteis possibilita a administração fora destes ambientes, aumentando o risco de erros de dosagem, reações adversas, interações medicamentosas e não-aderência ao tratamento. Embora mais conveniente para o paciente, a tendência de mantê-lo fora das unidades de internação exige maior participação do paciente, de forma a que ele assuma maior responsabilidade sobre seu tratamento. Para tal, é necessário que ele disponha de maior volume de informações sobre a terapia que utiliza. O aconselhamento ao paciente é fundamental nos medicamentos de uso oral, a fim de estabelecer as melhores condições para absorção, metabolização e eliminação, garantindo a margem terapêutica pretendida.

Situações simples do dia a dia podem exemplificar a importância da As- sistência Farmacêutica e o impacto que pode causar no tratamento do paciente. Medicamentos como a capecitabina, por exemplo, uma pró-droga do antimetabólito 5-fluorouracil, tem sua absorção reduzida por alimentos e, desta forma, sua administração deve ocorrer com intervalo de 30 minutos após as refeições.

O metabolismo de drogas frequentemente envolve as enzimas do complexo citocromo P-450 (CYP), uma família de enzimas localizadas primariamente no fígado. O metabolismo de uma droga por este complexo pode aumentar sua atividade, potencializando sua toxicidade, ou, de forma contrária, diminuir sua atividade, possivelmente resultando em falha terapêutica. Por exemplo, inibição da família de enzimas CYP3A pelo suco de grapefruit (toranja) resulta em toxicidade aumentada. Outro exemplo, o antidepressivo fitoterápico Erva de São João é um conhecido indutor das enzimas CYP3A e seu uso concomitante com irinotecano diminui a eficácia do quimioterápico.

Para a implementação de um programa de Atenção Farmacêutica é necessário dispor de procedimentos escritos de coleta e análise de informações, acesso ao histórico médico e evolução do paciente (prontuário escrito ou eletrônico), comunicação efetiva entre os membros da Equipe Multiprofissional, questionário aprovado para as entrevistas iniciais e de seguimento, fontes de informação segura para a análise de interações e de problemas relacionados a medicamentos e profissionais treinados para o aconselhamento.

Por experiência, a aplicação destes programas requer um esforço considerável para transpor obstáculos. A ausência de um modelo aplicável para a realidade do paciente oncológico no Brasil, a sobrecarga de tarefas do farmacêutico em oncologia e a mudança de cultura necessária para a continuidade do programa são os fatores críticos que devem ser superados no momento inicial do planejamento de implantação da Assistência Farmacêutica, porém esta superação é viável e se faz necessária para melhoria no atendimento do paciente oncológico.

Opinião

Por Elizabeth Barros, Psico-oncologista do Centro de Combate ao Câncer.

Os tratamentos atuais são mais eficazes no controle da doença, porém, são prolongados e de natureza tóxica, elevando os riscos de intercorrências decorrentes dos efeitos adversos causados por eles. Seja pela constância com que os protocolos de tratamentos são administrados, seja pelos efeitos secundários que estão associados a eles, as pessoas temem as suas consequências, podendo interferir no equilíbrio emocional e bem-estar geral. Além disso, de maneira brusca, a pessoa com câncer precisa assimilar um grande número de informações e termos médicos, ao mesmo tempo em que precisa aprender a administrar as inúmeras demandas que surgem com essa nova realidade.

Geralmente, as orientações medicamentosas são transmitidas em um momento de grande expectativa, de modo que o entendimento do paciente possa ser errôneo ou incompleto, podendo assim, aumentar o risco de erros na sua administração, elevar os níveis de ansiedade e tensão emocional, além de comprometer a aderência aos tratamentos. Na tentativa de minimizar esses efeitos danosos, os profissionais de saúde que atuam em oncologia estão mais conscientes de que cuidar de uma pessoa com câncer requer uma abordagem interdisciplinar, para que seja possível prestar assistência integral, que compreenda o paciente em múltiplos domínios, tendo como preocupação central a preservação da sua qualidade de vida.

A inserção do Programa de Atenção Farmacêutica é parte fundamental desse cuidado ao paciente, para garantir a qualidade e a segurança das diversas modalidades terapêuticas em todas as etapas do processo da doença. Diversos estudos mostram que os pacientes que compreendem a indicação terapêutica, que são estimulados a buscar informações e que participam ativamente do processo da doença, apresentam melhora no humor, preservação da autonomia, da auto-confiança, do senso de controle pessoal e, consequentemente, melhor adaptação.

Opinião

Por Dr. Cid Gusmão, médico oncologista e fundador do Centro de Combate ao Câncer.

Hoje, os avanços constantes da medicina não permitem que os médicos tenham conhecimento adequado de muitas das drogas a que o paciente faz uso, especialmente as prescritas por outros especialistas. Os pacientes, além do tratamento oncológico, fazem uso de medicações para diabetes, hipertensão ou mesmo medicamentos naturais. Hoje é impossível ao médico conhecer com segurança todos os medicamentos existentes fora de sua especialidade. O programa de Atenção Farmacêutica vem cobrir esta lacuna, proporcionando maior segurança e maior eficiência ao tratamento do paciente.

Leave a reply